Saúde mental: como a cultura do cancelamento prejudica a vida das pessoas?
Quais as consequências para a pessoa e a família de quem sofre cancelamento? E como refletir sobre o tema? Psicólogos explicam
Quais as consequências para a pessoa e a família de quem sofre cancelamento? E como refletir sobre o tema? Psicólogos explicam
A cultura do cancelamento visa boicotar, atacar e banir virtualmente pessoas, empresas e eventos que assumem comportamentos, ideais e opiniões considerados incorretos pela maioria. É, hoje, um fenômeno muito presente nas redes sociais.
“O cancelamento na internet é o mais cruel de todos, pois uma figura é condenada pelo seu comportamento ou pela sua opinião sem haver oportunidade de defesa. Os ataques, em sua maioria, são raivosos e atingem diretamente o ego, o modo de agir e as conquistas da figura cancelada”, explica Ronan Mairesse, psicólogo e especialista em Comportamento Humano.
Nos últimos anos, inúmeros participantes do programa Big Brother Brasil enfrentaram – e alguns ainda enfrentam – o tribunal da internet. Pyong Lee (BBB 20), Hadson (BBB 20), Karol Conká (BBB 21), Lumena (BBB 21), Maria (BBB 22) e Rodrigo Mussi (BBB 22) são alguns dos nomes julgados e condenados no mundo virtual.
Segundo Miria Ribeiro, psicóloga, terapeuta familiar e palestrante, a cultura do cancelamento é forte no reality show, visto que o programa traz um contexto de exposição e competição muito grande. Isso, por sua vez, provoca uma identificação com pautas do cotidiano.
“Os telespectadores ganham tanto ‘poder’ de julgar as ações do jogador que extrapolam isso para as ações do ser humano por trás do jogo”, acrescenta.
Se o cancelamento virtual pode prejudicar a vida de uma pessoa comum, imagina o que ele pode fazer com figuras que ganharam visibilidade na mídia, como os atuais e ex-participantes do Big Brother Brasil?
Ronan Mairesse comenta que o cancelamento é uma forma muito dura de justiça social. Por isso, a partir do momento em que um famoso sofre esse tipo de punição, ele fica estigmatizado e sempre à sombra do julgamento alheio.
“E, mesmo que ele aprenda, não cometa nenhum deslize e se torne o melhor ser humano do mundo, ele sempre será lembrado pelo seu erro. Ou seja, a pessoa que não souber lidar com a situação sofrerá para sempre com aquilo, podendo desenvolver depressão ou outras patologias graves”, aponta o psicólogo.
Além de prejudicar a vida dessas pessoas, esse tipo de julgamento moderno também traz consequências aos familiares das vítimas. “O cancelamento provoca uma rotulação tão grande que a pressão social recai sobre aqueles que se relacionam com o indivíduo que foi cancelado, como se isso os tornassem aliados de algo que represente o motivo do cancelamento”, avalia Miria Ribeiro.
Ronan Mairesse enfatiza que o desejo em proteger aquele que ama faz com que muitos familiares se envolvam voluntariamente nas polêmicas. Com isso, sofrem as consequências psicológicas dos ataques virtuais, como o desenvolvimento de depressão e da síndrome do pânico.
O cancelamento pode atingir qualquer pessoa que esteja conectada à internet, seja ela famosa ou anônima. Contudo, as consequências dos ataques podem ser diferentes para cada uma dessas pessoas.
“Um anônimo não tem a extensão e a repercussão dos seus atos como é, fatalmente, o caso dos integrantes do BBB, o que facilita a sua reabilitação virtual e o não linchamento midiático”, declara Miria Ribeiro. Além disso, Ronan Mairesse acrescenta que, mesmo que ocorram repercussões diferentes, o sentimento de culpa, vergonha e injustiça fica enraizado em qualquer pessoa que seja “cancelada”.
Uma das melhores formas de reparar os danos causados pela cultura do cancelamento é por meio de tratamentos psicológicos. De acordo com Ronan Mairesse, a psicoterapia ajudará a pessoa “cancelada” a ressignificar o ocorrido, se conhecer melhor e resgatar a confiança perdida. Ainda, em alguns casos, o acompanhamento psiquiátrico, com o uso de medicamentos, também deverá ser realizado, conforme explica o profissional.
Apesar de a cultura atual permitir que o cancelamento seja praticado de forma rápida e sem muitas razões aparentes, com alguns cuidados simples é possível evitar os boicotes e os ataques virtuais.
“Uma das maneiras mais importantes para evitar ser cancelado é desenvolver a assertividade na comunicação. Essa atitude ajudará a opinar e a falar de qualquer assunto com cuidado e respeito. Podemos dizer o que quisermos, desde que as palavras sejam ditas para as pessoas certas, no momento certo e da forma certa”, explica Ronan Mairesse.
Ainda segundo ele, é importante lembrar que existem regras que devem ser seguidas pelos usuários das redes sociais. “Um outro ponto é entender que a internet não é terra sem dono. Existe uma grande diferença entre opinar construtivamente e ofender. Quem ofende perde a razão e corre o risco de sofrer consequências jurídicas quanto ao ato”, afirma.
Com a cultura do cancelamento tomando conta das redes sociais, é cada vez mais necessário trazermos o tema para o debate. “Falar sobre a questão do cancelamento nos ajuda a refletir sobre o nosso comportamento de julgamento social e como ele adoece as pessoas de forma grave”, avalia Miria Ribeiro. A especialista ainda afirma que o diálogo permite uma análise sobre os nossos próprios defeitos e como também estamos suscetíveis a falhas.