Os cânceres no Sistema Nervoso Central, que incluem as áreas do cérebro e da medula espinhal, ainda são alvos de muitos estudos com relação a suas causas. Por esse motivo, até esse momento não existem medidas para prevenir esse tipo de câncer. Mas recentemente, muitos pesquisadores debruçam-se sobre o tema com o objetivo de encontrar um meio de melhorar o tratamento.
A novidade é uma pesquisa da New Cleveland Clinic, publicada no começo de novembro na Nature Cancer, que descobriu que medicamentos originalmente projetados para ajudar a tratar a doença de Alzheimer podem ser promissores para o glioblastoma, o tipo mais comum e letal de tumor cerebral primário.
“Uma classe de medicamentos chamados inibidores BACE1 já estiveram entre os candidatos mais esperados para o tratamento da doença de Alzheimer. Eles agem inibindo a proteína, chamada BACE1, que é responsável pela produção de placas β-amilóides no cérebro, que são uma das principais marcas da doença de Alzheimer. Depois de demonstrar baixa eficácia em ensaios clínicos, no entanto, o campo da neurociência se afastou dos inibidores de BACE1″, explica o Dr. Gabriel Novaes de Rezende Batistella, médico neurologista e neuro-oncologista, membro da Society for Neuro-Oncology Latin America (SNOLA).
O especialista continua: “Curiosamente, no entanto, BACE1 também é expresso em uma classe de células imunes – chamadas de macrófagos associados a tumor (TAMs) – que são encontradas no microambiente tumoral, ou nos componentes de células não cancerosas de tumores sólidos. Macrófagos associados a tumores são particularmente abundantes no glioblastoma, o que levou os pesquisadores a se perguntarem se os inibidores de BACE1 podem ser eficazes no tratamento ou prevenção da forma altamente agressiva de câncer no cérebro”.
Macrófagos associados a tumor (TAMs): o que são?
O médico, que é representante brasileiro do International Outreach Committee da Society for Neuro-Oncology (IOC-SNO), explica que existem dois tipos principais de TAMs. “Em palavras mais simples, existem soldados que ajudam a replicar um tumor e soldados que agem para eliminar o câncer. A maioria dos TAMs promove tumores e contribui para a resistência ao tratamento, mas há alguns que suprimem o tumor. Desenvolver uma terapêutica que manipule esse equilíbrio – inclinando a balança para que haja mais TAMs supressores de tumor – pode tratar melhor o glioblastoma”, conta.
No estudo, os pesquisadores rastrearam uma ampla gama de compostos para identificar os candidatos mais promissores contra macrófagos promotores de tumor (pTAMs), revelando um inibidor que foi chamado de MK-8931 (verubecestate).
“Eles descobriram que o tratamento de modelos pré-clínicos derivados de humanos de glioblastoma com verubecestate reprogramou os promotores de tumor em macrófagos supressores de tumor. Ou seja, como resultado, os ‘soldados’ supressores estiveram mais abundantes e ajudaram a destruir as células tumorais, incluindo as células-tronco de glioma, que são um tipo particularmente agressivo de células cancerosas que podem se autorrenovar e repovoar um tumor”, explica o médico.
O estudo descobriu que essas mudanças reduziram significativamente o crescimento do tumor.
Os benefícios foram ainda mais pronunciados quando o verubecestate foi administrado em combinação com radiação de baixa dose, uma vez que aumenta a infiltração de supressores no tumor. “Mais pesquisas serão necessárias, mas esse estudo sugere que a capacidade do verubecestate de transformar soldados promotores de tumor em soldados de supressão pode estar relacionada à atividade de três moléculas. Essas moléculas, junto com BACE1 – que é mais abundantemente expresso em promotores de tumor do que supressores – formam uma cascata de sinalização que, em última análise, ajuda a manter as propriedades pró-câncer dos promotores. A inibição de BACE1, como com verubecestate, interrompe essa via de sinalização”, explica o médico.
O Verubecestate já foi aprovado para uso em humanos por causa de seus testes anteriores para a doença de Alzheimer, o que ajudaria a acelerar a tradução dos achados pré-clínicos promissores. “Este é um grande benefício do reaproveitamento de medicamentos – ser capaz de preencher a lacuna entre a pesquisa pré-clínica e os testes clínicos, o que muitas vezes pode ser um processo demorado. De qualquer maneira, aguardamos mais estudos para confirmar esses achados”, finaliza o médico.
FONTE:
DR. GABRIEL NOVAES DE REZENDE BATISTELLA: Médico neurologista e neuro-oncologista, membro da Society for Neuro-Oncology Latin America (SNOLA). Formado em Neurologia e Neuro-oncologia pela Escola Paulista de Medicina da UNIFESP, hoje é assistente de Neuro-Oncologia Clínica na mesma instituição. O médico é o representante brasileiro do International Outreach Committee da Society for Neuro-Oncology (IOC-SNO).
LINK: https://www.nature.com/articles/s43018-021-00267-9