Documentário “Bactérias Multirresistentes: Uma Ameaça Invisível” investiga como a produção de proteína animal no Brasil, com antibióticos demasiados, pode afetar a saúde de milhões de pessoas de forma quase invisível
Muito se fala sobre a carne e sobre como podemos reduzir o consumo dela, pensando nos animais e no nosso próprio corpo, mas pouco se fala sobre como ela chega ao nosso prato e sobre como esse processo pode afetar a nossa saúde. Sim, a saúde.
Ao longo das últimas décadas, o mercado de produção de proteína animal mudou muito e, assim como ele, inúmeras pequenas e médias cidades pelo país também tiveram a rotina afetada. Em vários aspectos, as mudanças foram positivas. Mas em muitos outros elas trouxeram dor. A atividade de subsistência e de natureza familiar, com cadeias curtas de produção, foi sendo gradualmente substituída por um sistema industrial e intensivo, concentrado e controlado por grandes corporações globais obcecadas em alta produtividade, custos mínimos e geração de volumes colossais de alimentos processados.
Há nesse processo, contudo, um problema agudo que diz respeito à saúde de pessoas, de animais e do planeta: a forma como a produção de proteína animal é feita no Brasil, e em outros lugares do mundo, está favorecendo a reprodução de bactérias resistentes dentro do nosso corpo, que causam diversos problemas de saúde – mas poucos profissionais ainda enxergam isso!
O quadro descrito é o argumento de “Bactérias Multirresistentes: Uma Ameaça Invisível”, documentário que a Proteção Animal Mundial, organização não-governamental que trabalha em prol do bem-estar animal, produziu e lança na próxima quarta-feira (08/06) em sessão para convidados, aberta e gratuita também para o público geral interessado, no cine Petra Belas Artes, em São Paulo (detalhes ao final).
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“Bactérias Multirresistentes: Uma Ameaça Invisível” acompanha a pesquisa de campo realizada pela Proteção Animal Mundial, em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), durante a coleta de amostras nas imediações de granjas de criação industrial intensiva de suínos em duas regiões do Paraná, em 2021.
A investigação foi feita para verificar a possível presença de genes de resistência a antibióticos nos solos e nas águas nas imediações das instalações do tipo, reforçando com rigor científico um elo cada vez mais evidente em todo o mundo. Um problema que não está restrito à criação de suínos, mas que também afeta as indústrias de aves, bovinos e peixes.
Neste caso, o Paraná foi escolhido por ser o segundo maior polo suinícola do Brasil, país que é um dos líderes globais do segmento. A equipe de pesquisa circulou pela região dos Campos Gerais (passando pelos municípios de Castro, Carambeí e Piraí do Sul) e pelo Oeste do estado (visitando Toledo e Palotina). Nestes pontos o time aproveitou para ouvir moradores, trabalhadores da agropecuária e seus familiares para entender na prática como a atividade realizada em escala industrial vem mudando suas vidas e as cidades onde vivem.
Às vezes, mesmo sem relacionar conscientemente problemas de saúde vividos na própria pele ou por pessoas próximas, os entrevistados acabam dando as pistas de como são, na verdade, alguns dos personagens mais vulneráveis desse enredo. Se, por um lado, boa parte do sustento das famílias e do orçamento das cidades hoje dependem da atividade econômica e dos empregos nas fazendas industriais intensivas, por outro eles (e os municípios) pagam contas médicas cada vez mais altas e arcam incapacitações e a perda de vidas ensejadas por este mesmo sistema.
Alternando falas com os moradores, os pesquisadores explicam os riscos do uso indiscriminado de antibióticos na criação animal, seja para mascarar problemas do sistema ao prevenir possíveis doenças nos animais, seja para promover artificialmente o crescimento dos indivíduos para aumentar os lucros. Eles contam como a prática inadequada ainda acontece em boa parte do mundo, e que 75% da produção mundial de antibióticos a cada ano é direcionada para o uso em animais de produção.
Também indicam como descuidos no manejo de resíduos da produção podem estar contaminando o ambiente. E como esses resíduos acabam virando adubo na agricultura, chegam até os sistemas de abastecimento de água ou entram nas casas das pessoas sob a forma de carnes e verduras contaminadas.
‘Bactérias Multirresistentes: Uma Ameaça Invisível’ traz uma mensagem de alerta e conscientização para a sociedade. O problema é real e presente.
“As ações para evitar uma crise que pode ganhar proporções gigantescas passam, neste caso, por reduzir a dependência das pessoas por proteína animal, ou seja, reduzir o consumo de carnes, e fazer com que a produção remanescente venha obrigatoriamente de animais criados segundo altos níveis de bem-estar”, resume o gerente de Agropecuária Sustentável da Proteção Animal Mundial, José Ciocca. “Animais criados em boas condições, animais que desfrutam de uma vida digna, são naturalmente mais saudáveis e dependem menos do uso rotineiro e indiscriminado de antibióticos. Assim há menos riscos de aumento da resistência das bactérias e de contaminação ambiental. Precisamos aliar essa abordagem a uma transição que seja social e economicamente justa e viável”.
Anualmente, milhões de pessoas sofrem com o problema da resistência antimicrobiana e podem carregar sequelas duradouras. Dentre elas, as estimativas mais recentes dão conta de que quase 1,3 milhão estão sendo vitimadas anualmente sem chance de defesa– uma letalidade que supera as de HIV e malária no mundo.
O quadro típico é de infecções que aparentam ser corriqueiras, de origem pouco identificável, que se agravam e levam a internações. Mas, nesse caso por serem causadas por bactérias que desenvolveram resistência a um ou diversos tipos de medicamentos críticos, restam poucas ou efetivamente nenhuma alternativa com potencial para proporcionar a cura.
De fato, o fenômeno é uma das grandes preocupações das autoridades globais de saúde para os próximos anos. O desafio é evitar o cenário mais pessimista projetado no qual até 10 milhões de pessoas poderiam morrer globalmente a cada ano em 2050, se precauções não forem tomadas.
Além de sorrateiro na maneira como afeta a saúde, o tema é cercado também de muito desconhecimento da sociedade quanto às causas, o que dificulta a tomada de ações. Felizmente há formas de reduzir os riscos dessa crise que pode tornar ineficazes os medicamentos para combater doenças causadas por bactérias, vírus, fungos e parasitas. Boa parte da solução está em criar uma vida digna para os animais, para os humanos e para o planeta que habitamos, o que traz incontáveis benefícios adicionais.
Outros caminhos importantes são citados no trabalho de orientação de políticas públicas sobre o tema desenvolvido pela Proteção Animal Mundial em parceria com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC).
Umas das fontes relacionadas à crescente resistência das bactérias aos medicamentos é a agropecuária industrial intensiva – sistema de produção de alimentos em massa, ao menor custo possível, com qualidade duvidosa e ocultação de outros custos que voltam mais à frente como efeitos colaterais. Agravando o problema e disseminando patógenos resistentes somam-se ainda falhas sanitárias, como as de tratamento e distribuição pública de água.
Por essa ligação direta com a forma pela qual os animais são tratados pela indústria alimentar, a Proteção Animal Mundial tem se debruçado sobre a questão. A organização já realizou pesquisas de campo, similares à realizada no Brasil, na Espanha, Estados Unidos, Canadá e Tailândia. Em todos os casos, os resultados foram bem semelhantes: a provável descarga de genes resistentes a antibióticos nas águas dos rios a partir do manejo dos dejetos (fezes e urina) de aves e suínos criados de maneira intensiva.
O material técnico contendo os resultados da pesquisa de campo feita no Brasil, as análises laboratoriais e os detalhes dos estudos semelhantes realizados nos outros países foram reunidos em um relatório, disponível para consulta na integra no site da Proteção Animal Mundial.
O documentário, o relatório da pesquisa realizadas no Brasil (e nos outros países) e uma série de outros esforços de informação e conscientização fazem parte da campanha Haja Estômago! da Proteção Animal Mundial.
O objetivo é alertar a sociedade sobre o problema da resistência antimicrobiana e ajudar a promover a elevação e a garantia dos níveis de bem-estar dos animais utilizados pela indústria de produção de alimentos. O público interessado pode acompanhar os passos desse trabalho e se inscrever para receber atualizações no site especial da campanha e nas redes sociais da organização.
Serviço
Quem participa: Sessão aberta para convidados e para o público geral
Quanto: Entrada gratuita. Vagas limitadas e mediante reserva no site Sympla
Quando: 8 de junho, quarta-feira
Horário: das 10h30 às 12h
Onde: Cine Petra Belas Artes – Sala 4 SP Cine Aleijadinho
Endereço: Rua da Consolação, 2423 – São Paulo/SP
