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Influência genética pode favorecer desenvolvimento de casos graves de COVID-19 em jovens saudáveis

Expressão aumentada de alguns genes pode explicar facilidade com que o vírus se multiplica mais rapidamente em algumas pessoas

Casos graves de COVID em jovens pode ser influência genética – Freepik/ wayhomestudio

Embora os grupos de risco para a doença Covid-19 já estejam claros, com idosos, diabéticos, obesos, fumantes e hipertensos entre os pacientes que têm maior tendência de serem afetados de maneira mais grave pela infecção do vírus Sars-Cov-2, algumas notícias também apontam pacientes jovens, saudáveis e sem comorbidades que precisaram de ventilação mecânica e leitos de UTI por sofrerem de forma violenta com o vírus.

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O que explica, afinal, jovens enfrentando a forma mais grave da doença, com inflamação sistêmica?

“Além das condições pré-existentes, fatores genéticos também podem favorecer a infecção pelo Sars-Cov-2 e sua replicação rápida, levando a um quadro inflamatório grave”, afirma o geneticista Dr. Marcelo Sady, Pós-Doutor em Genética e diretor geral da Multigene, empresa especializada em análise genética e exames de genotipagem.

De acordo com o geneticista, um dos problemas que estão associados ao risco mais grave de Covid-19 é o processo inflamatório. “Você tem uma tempestade de citocinas, que são mensageiros pró-inflamatórios capazes de lesar as células de vários órgãos e levar a um quadro maior de trombose generalizada, que são fatores de grande risco de morte dos pacientes”, diz o especialista. É exatamente por isso que idosos, diabéticos, obesos, fumantes e hipertensos são grupos de risco: eles têm maior chance de um descontrole no processo inflamatório.

“Pessoas obesas jovens, por exemplo, apresentam mais inflamação. E a obesidade compromete a resposta imunológica (tanto a resposta inata quanto a adquirida), além da produção de anticorpos. Essa condição pode causar até mesmo uma resistência à vacina. Existem relatos na literatura científica de pessoas obesas que acabam não respondendo tão bem à vacina, uma vez que a obesidade compromete a apresentação de antígenos e a resposta imunológica que levaria a essa imunidade”, diz o Dr. Marcelo.

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Com relação à resposta inflamatória e à tempestade de citocinas, esses mensageiros pró-inflamatórios são codificados por genes, com a interleucina-6, a TNF-alfa, da interleucina-1 beta. “Eles são pró-inflamatórios e você tem alelos que levam a uma inflamação maior ainda. Então, nós temos uma situação em que, devido à presença do vírus, já podemos enfrentar uma tempestade inflamatória, mas que pode ser mais intensa ainda por causa desses alelos. Isso leva a problemas respiratórios, de circulação e sistêmicos, porque essa inflamação aumenta o risco de trombose. Se você tiver alelos de genes que estão associados com o aumento de risco de trombose, consequentemente pode apresentar um maior risco de trombofilias generalizadas e de quadros graves de covid-19”, diz o especialista.

Quando pensamos em termos de genética, existem relatos de vários genes envolvidos na suscetibilidade genética à Covid-19. Até agora, a ciência avançou mais no estudo de um gene específico: ACE2. “A função do ACE2 é codificar a enzima em um processo que culmina com a vasodilatação. Mas essa ACE2 fica na membrana de algumas células, como as do pulmão, mucosa nasal e do intestino. Sabemos que o Sars-Cov-2 tem uma espícula, que consegue se ligar à ACE2 e isso vai facilitar a fixação do vírus nas células do pulmão. Existem duas enzimas do próprio indivíduo, a TPMRSS2 e a furina, que são capazes de clivar várias de nossas proteínas normais, mas também são capazes de clivar glicoproteínas do vírus. Isso vai facilitar a fusão da membrana do vírus com a membrana da célula”, afirma o geneticista. E é assim que o vírus consegue introduzir o material genético nas células.

“A partir do momento em que ele introduz o material genético dele, que é o RNA, ele vai usar toda a maquinária da própria célula para se replicar. Diante da presença do vírus na célula, existe uma resposta inflamatória, que pode ser exagerada. Isso leva a uma tempestade de citocinas, que acaba destruindo as células do hospedeiro e acaba sendo sistêmica: afeta pulmão, intestino e outros órgãos”, diz o geneticista.

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Qual é, afinal, a influência genética?

“Se você tem o gene ACE2, que tem variantes genéticas, alelos, que levam a maior expressão dele mesmo, você terá mais ACE2 nas membranas das células (pulmão, nasal e intestino) e isso vai facilitar a ligação com o vírus Sars-Cov-2, aumentando a taxa de infecção e a carga viral desse indivíduo. Quanto mais vírus conseguirem introduzir o seu material genético, maior o risco desse indivíduo apresentar um quadro mais grave”, diz o geneticista.

Existem também variantes genéticas da enzima TPMRSS2.

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“Pode ocorrer um risco aumentado de replicação do vírus, na medida em que os alelos desse gene podem levar a uma expressão duas vezes maior dessa enzima. Com isso, há uma grande produção de TPMRSS2, o que vai facilitar mais ainda a fusão da membrana do vírus com a membrana da célula, aumentando o risco de replicação do vírus. A mesma coisa com relação à furina”, explica o geneticista.

De acordo com o geneticista, existem meios de saber se há uma tendência de maior expressão desses genes: pelos exames de genótipos.

“Os exames de genótipos vão dar uma ideia se você tem uma tendência maior ou não a expressar mais esses genes. Existem técnicas em genética que permitem quantificar o quanto esses genes estão se expressando”, diz ele. Os exames mostram, inclusive, por que o risco de homens apresentarem quadros mais graves de covid-19 é 1,75 vezes maior que o das mulheres: porque a DHT (di-hidrotestosterona) aumenta mais ainda a expressão da TPMRSS2, facilitando a fusão da membrana do vírus com a membrana da célula, o que vai aumentar a replicação do vírus.

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Uma vez de posse dessas informações obtidas através do exame, podemos adotar medidas para reduzir o risco de casos graves de COVID-19.

“Por exemplo, podemos utilizar o resveratrol, uva e frutas vermelhas, de uma maneira geral, para diminuir a expressão de enzimas para reduzir os níveis de DHT, minimizando, assim, o risco de infecções mais graves pelo Sars-Cov-2. Ou, então, buscar outra orientação médica mais específica para modular a expressão dos genes e evitar quadros mais graves da infecção”, aconselha o Dr Marcelo.

Além disso, é interessante também adotar uma alimentação saudável rica em componentes anti-inflamatórios e potencializadores do sistema imune.

“A nutrição tem um papel fundamental no combate à Covid-19, sendo muito importante não pela ‘resistência’ na proteção contra a doença, mas sim por melhorar a nossa ‘tolerância’, o que significa uma menor carga infecciosa quando somos infectados e maior capacidade de apresentar boa resposta imunológica, com sintomas menos graves e recuperação mais rápida. Um sistema imune forte e bem nutrido, terá mais chances de ajudar o organismo a combater o vírus de forma mais eficaz. Por outro lado, se tivermos deficiências em macro e micronutrientes, teremos também mais risco de sofrer com uma inflamação exacerbada e apresentarmos sintomas severos”, explica a médica nutróloga Dra. Marcella Garcez, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia.

Dentre os alimentos anti-inflamatórios e potencializadores do sistema imune, vale destacar, por exemplo, os alimentos enriquecidos com probióticos (iogurtes, kefir e kombucha) e as fibras prebióticas presentes nas frutas e farelos, que e melhoram o perfil inflamatório do organismo, reduzem a gravidade dos sintomas de Covid-19 e as taxas de mortalidade.

“Por sua vez a vitamina D, que, além da alimentação, obtemos através da exposição solar desempenha um papel crucial na imunidade geral. Vale destacar também o Selênio, um nutriente encontrado na castanha-do-pará, peru, sardinhas, ovos e fígado que ajuda a refinar de maneira inteligente a nossa resposta imunológica. Então, se tivermos um bom nível de selênio, os estados inflamatórios serão menos severos”, aconselha a Dra Marcella. “O Zinco, encontrado nas carnes, aves, mariscos e sementes, é outro nutriente interessante, estando associado a maiores taxas de sobrevivência em casos de Covid-19, já que ajuda a evitar a replicação do vírus”, afirma.

Além de priorizar esses alimentos saudáveis, devemos também nos afastar de alguns que pioram a inflamação no corpo.

“Os alimentos ricos em açúcar, particularmente doces e guloseimas que levam açúcar branco adicionado; os industrializados ultraprocessados, que são aqueles que trazem grande quantidade de açúcar, sódio, gorduras modificadas, corantes e conservantes; aqueles ricos em gorduras trans e modificadas, como as margarinas, gorduras saturadas de origem animal e frituras de imersão; os refrigerantes e bebidas alcoólicas em excesso; enfim, todos esses alimentos devem ser evitados, pois podem piorar o processo inflamatório e atrapalhar o processo de recuperação do corpo”, diz a Dra Marcella.

E a adoção de uma alimentação anti-inflamatória e potencializadora do sistema imunológico não é interessante apenas para quem possui predisposição genética para casos graves de COVID-19, pois estudos mostram que até mesmo jovens que tiveram sintomas leves da doença podem sofrer com sequelas a longo prazo, com o aumento, por exemplo, do risco de doenças cardiovasculares.

“Embora o SARS-CoV-2, o vírus conhecido por causar a pandemia do Covid-19, seja caracterizado principalmente por sintomas respiratórios, vários estudos já demonstraram que, pelo forte componente inflamatório da doença, podem ocorrer alterações na função dos vasos sanguíneos entre adultos jovens, principalmente de três a quatro semanas após serem infectados com o vírus. Isso também foi observado em adultos mais velhos meses após a infecção. E um destes estudos destacou o aumento da rigidez das artérias como uma dessas alterações, o que pode favorecer o risco de complicações cardiovasculares”, explica o Dr. Juliano Burckhardt, médico cardiologista, membro Titular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e da American Heart Association.

“Essas informações reafirmam a importância da melhora dos hábitos de vida, incluindo dieta e prática de atividade física, antes e depois da infecção pelo Coronavírus, com o objetivo de diminuir os riscos cardiovasculares e outras sequelas e complicações da doença”, finaliza o médico.


FONTES:

*DR. MARCELO SADY: Pós-doutor em genética com foco em genética toxicológica e humana pela UNESP- Botucatu, o Dr. Marcelo Sady possui mais de 20 anos de experiência na área. Speaker, diretor Geral e Consultor Científico da Multigene, empresa especializada em análise genética e exames de genotipagem, o especialista é professor, orientador e palestrante. Autor de diversos artigos e trabalhos científicos publicados em periódicos especializados, o Dr. Marcelo Sady fez parte do Grupo de Pesquisa Toxigenômica e Nutrigenômica da FMB – Botucatu, além de coordenar e ministrar 19 cursos da Multigene nas áreas de genética toxicológica, genômica, biologia molecular, farmacogenômica e nutrigenômica.

*DRA. MARCELLA GARCEZ: Médica Nutróloga, Mestre em Ciências da Saúde pela Escola de Medicina da PUCPR, Diretora da Associação Brasileira de Nutrologia e Docente do Curso Nacional de Nutrologia da ABRAN. A médica é Membro da Câmara Técnica de Nutrologia do CRMPR, Coordenadora da Liga Acadêmica de Nutrologia do Paraná e Pesquisadora em Suplementos Alimentares no Serviço de Nutrologia do Hospital do Servidor Público de São Paulo.

*DR. JULIANO BURCKHARDT: Médico Nutrólogo e Cardiologista, membro Titular da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN) e da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). É membro da American Heart Association e da International Colleges for Advancement of Nutrology. Mestrando pela Universidade Católica Portuguesa, em Portugal, atuou e atua como docente e palestrante nas suas especialidades na graduação e pós-graduação. O médico tem certificação Internacional pela Harvard Medical School, para tratamento da Obesidade. É diretor médico do V’naia Institute. Diretor Científico Brasil da European Academy of Personalized Medicine