Parto normal traz benefícios para mãe e bebê, mas ainda é minoria no Brasil
Cultura da cesariana, medo da dor, conveniência médica e falta de estrutura hospitalar explicam índices alarmantes, que contrariam as recomendações da OMS

Cultura da cesariana, medo da dor, conveniência médica e falta de estrutura hospitalar explicam índices alarmantes, que contrariam as recomendações da OMS
O Brasil ocupa uma das primeiras posições no ranking mundial de cesarianas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a recomendação é que esse procedimento ocorra em apenas 10% a 15% dos nascimentos. No entanto, no Brasil, ele ultrapassa 55%, chegando a mais de 80% na rede privada.
Esse número revela um fenômeno complexo, que vai além da escolha pessoal da gestante. “Há uma combinação de fatores culturais, médicos e estruturais que influenciam essa decisão. Contudo, a ciência é clara: o parto normal oferece inúmeros benefícios para a mãe e o bebê”, explica o ginecologista e obstetra Dr. Nélio Veiga Junior, mestre e doutor em Tocoginecologia pela UNICAMP.
Segundo ele, o parto vaginal desencadeia processos fisiológicos fundamentais para o bebê iniciar a vida fora do útero. “É um evento natural, mediado por hormônios que favorecem a expulsão do bebê e criam o vínculo afetivo com a mãe”, afirma.
Entre os principais motivos estão o medo da dor, a cultura da cesariana, a influência médica e a conveniência profissional. “Infelizmente, muitas mulheres crescem ouvindo relatos negativos sobre o parto vaginal, com intervenções desnecessárias e violência obstétrica”, destaca o Dr. Nélio.
Sem acesso a informações adequadas sobre analgesia ou métodos não farmacológicos de alívio da dor, como banho morno e massagens, muitas gestantes optam pela cesariana antes mesmo de entrar em trabalho de parto.
O obstetra também aponta a preferência médica como determinante. “Na rede privada, a cesariana eletiva é mais prática. Pode ser agendada, é rápida e evita a imprevisibilidade do parto normal, que pode durar muitas horas”, completa.
Além disso, a falta de políticas que valorizem o protagonismo da mulher no parto, somada à ausência de infraestrutura adequada nos hospitais, reforça a escolha pela cesárea. “Muitos hospitais não oferecem salas com liberdade de movimento, métodos de alívio da dor ou equipes capacitadas para uma assistência humanizada ao parto vaginal”, lamenta.
Outro fator que reforça a cultura da cesariana no país são as informações equivocadas. “Há um mito de que a cesariana é sempre mais segura. Mas a ciência mostra que, quando não há uma indicação médica real, esse procedimento aumenta riscos”, alerta o Dr. Nélio.
Entre os riscos estão infecções, hemorragias e complicações cirúrgicas para a mãe, além de problemas respiratórios e gastrointestinais para o bebê.
Ele destaca ainda que a recuperação após o parto normal costuma ser mais rápida. “Mulheres que passam pelo trabalho de parto têm menor risco de desenvolver depressão pós-parto. Isso possivelmente ocorre pela ação dos hormônios envolvidos nesse processo”, explica.
Durante o trabalho de parto, o organismo materno libera a ocitocina, conhecida como o “hormônio do amor”. “Ela é fundamental para as contrações uterinas e a progressão do parto. Além disso, desempenha papel essencial na formação do vínculo entre mãe e bebê”, explica o ginecologista.
Pesquisas indicam que a ocitocina facilita a interação afetiva, fortalece o instinto materno e estimula a amamentação. “Esse hormônio continua atuando no pós-parto imediato, estimulando a ejeção do leite e favorecendo o início precoce da amamentação”, ressalta o médico.
O contato pele a pele entre mãe e bebê, muitas vezes não realizado nas cesáreas, também ajuda na regulação da temperatura e dos batimentos cardíacos do recém-nascido.
O parto vaginal traz vantagens importantes para o bebê. “Durante a passagem pelo canal vaginal, o tórax do recém-nascido é comprimido, eliminando líquidos pulmonares e facilitando a respiração aérea”, explica o médico.
Estudos mostram que bebês nascidos de parto normal têm menor risco de desenvolver desconforto respiratório e de precisar de suporte ventilatório, se comparados aos que nascem por cesárea eletiva.
A ocitocina também induz o sono do recém-nascido, favorecendo a adaptação ao novo ambiente.
O Dr. Nélio reforça que a cesariana é um procedimento seguro e necessário em muitos casos, salvando vidas quando há indicações clínicas claras. “Porém, seu uso indiscriminado pode trazer prejuízos para mães e bebês”, alerta.
Para ele, mudar esse cenário depende de garantir que as mulheres tenham acesso a informações de qualidade, apoio de equipes capacitadas e um ambiente hospitalar acolhedor e humanizado. “Assim, promoveremos um início de vida mais saudável para milhares de recém-nascidos brasileiros”, conclui.
Fonte:
Dr. Nélio Veiga Junior – Médico ginecologista e obstetra, Mestre e Doutor em Tocoginecologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/UNICAMP). Atua em consultório privado, foi médico preceptor na UNICAMP e pesquisador no Centro de Pesquisa em Saúde Reprodutiva de Campinas. Autor de artigos científicos nacionais e internacionais. CRM 162641 | RQE 87396 | Instagram: @neliojuniorgo